sábado, 16 de abril de 2011

Os castigos

Elisabete Condesso
Psicóloga Clínica / Psicoterapeuta / Ludoterapeuta / Formadora






A pergunta que muitos pais e educadores fazem na hora de aplicar regras e limites às suas crianças é: “O que fazer quando a criança não cumpre? O que é adequado fazer e o que se deve evitar”. Neste artigo são apresentadas algumas estratégias educativas tendo em vista o desenvolvimento harmonioso da estrutura psicológica da criança, nomeadamente, são apresentados critérios para resolver as situações excepcionais, isto é, como aplicar os castigos, tendo em vista aumentar a eficácia da sua aplicação. Além disso, é apresentada a base educativa que tem como pilares fundamentais o afecto, a responsabilidade e a confiança, que pode tornar praticamente desnecessária a aplicação de castigos.

No nosso outro artigo «Regras e Limites – apreender a dizer ‘Não’» abordamos o essencial sobre a importância para a criança de uma clara definição de directrizes de modo a deixar bem claro a diferença entre o que é certo e errado, entre o bem e o mal. Referiu-se a importância da criança iniciar esta aprendizagem desde pequena de modo a desenvolver harmoniosamente a sua estrutura psicológica para a vida adulta. Foi enfatizado que nesta aprendizagem, o papel de pais e educadores é fundamental e que eles devem assumir na íntegra o seu papel educativo. Foi ainda referido que os pais devem reprimir as acções incompatíveis, quando necessário.
Mas, a pergunta que muitos pais fazem é «Que fazer quando a criança não cumpre? O que é correcto fazer e o que não se deve fazer?» Este artigo dá algumas recomendações.
O castigo como estratégia educativa e último recurso
O castigo é uma estratégia educativa bastante generalizada, dado que mostra ser um poderoso elemento dissuasor que actua em direcção ao controlo do comportamento que se deseja evitar, em face da expectativa das consequências negativas, ou simplesmente da ameaça de perder algum privilégio de que se goza.
Pais e educadores têm que encontrar o castigo adequado à criança, sabendo que o importante não é o castigo em si, mas o que é comunicado através dele. Além disso, os castigos devem ser proporcionais ao acto cometido e não se deve cair em excessos.
Pais e educadores devem encarar o castigo como último recurso a aplicar, ou seja, deve ser aplicado quando os restantes já fracassaram. Por isso, quando tivermos que aplicar um castigo, devemos sempre questionar-nos sobre se teremos posto correctamente em prática todas as alternativas possíveis e analisar o que terá fracassado. Assim, de modo a evitar o castigo de amanhã, teremos que por em prática uma estratégia de prevenção, que passa pela educação da criança assente na autoridade e compreensão, na paciência, e no autocontrolo. Se queremos educar os nossos filhos de modo que sejam capazes de controlar as suas emoções, devemos começar por aprender a controlar as nossas. Devemos repreender com firmeza e com toda a calma.
Castigos físicos e suas consequências
Muitos pais questionados sobre o que fazer quando a criança não cumpre as regras definidas, referem o uso de castigos físicos como o procedimento rotineiro e habitual. Este procedimento encontra-se muito enraizado na nossa sociedade, não sendo percebido por quem o pratica como violência, tendo mesmo uma larga aceitação social, inclusive nos meios mais intelectuais. Nalguns meios sociais é frequente a sociedade cobrar dos pais e familiares a adopção desta prática como meio de aceitação social no grupo a que pertence, e inclusive, tal prática chegar a ser motivo de vanglória. Verifica-se também que mesmo as crianças que sofrem o castigo, incorporando os valores culturais, não encararam o castigo como violência, pois aprendem precocemente, que é “normal” ou até “desejável” apanhar dos pais.
Do ponto de vista da ciência e cada vez mais dos profissionais que se ocupam com a criança, em particular dos psicólogos, os castigos físicos são tidos como violência. Este facto tem como base os estudos e observações que mostram os riscos e sequelas desta prática para a criança. Esses estudos têm mostrado os efeitos nocivos, às vezes mesmo catastróficos, sobre o desenvolvimento afectivo, social e cognitivo da criança, com graves repercussões na vida adulta. A qualidade de vida da criança sai prejudicada, na medida que o direito ao respeito, à dignidade, integridade física e moral, ficam seriamente comprometidos.
Mais ainda, os mesmos estudos mostram que os limites tolerados de intensidade, frequência e formas de castigo físico variam muito entre grupos sociais e famílias. As simples palmadas coexistem com agressões, sendo justificadas da mesma forma, «a necessidade educativa». É que, frequentemente, quando o castigo físico não traz os resultados desejados pelo educador, a tendência é o aumento de intensidade e frequência levando a um ciclo vicioso que pode desembocar em situações trágicas. O acto de bater resvala, assim, para além dos limites colocados pelo próprio educador, sendo aplicado o castigo de forma descontrolada, mais como alívio para quem bate do que como meio disciplinar. Por vezes, a criança identifica esse acto como humilhante, encontrando forças para enfrentar os pais, dizendo “nem doeu”. Esta atitude, embora constitua uma forma de defesa e de grito de alerta da criança para algo que não está bem, pode redundar muitas vezes em mais agressão. Portanto, o que muitos pais convencionam chamar de simples “palmadas” pode resultar em agressões violentas.
Para além deste aspecto, a punição física como meio de imposição de um castigo tem consequências a vários níveis:
·         Esta prática tem conduzido à aprendizagem de técnicas de aversão em vez de técnicas de reforço positivo. Estudos mostram a ineficácia da punição corporal, pois têm como base o princípio de qualquer punição: não mostra o que deve ser feito, apenas o que não deve; a punição enfoca o erro e não ensina o certo.
·         As respostas emocionais geradas pela punição (choro, medo, ansiedade, raiva) podem levar ao aparecimento, por meio do condicionamento operante ou pavloviano, das mesmas respostas emocionais em outras ocasiões não punitivas. Por exemplo, a punição de mentir pode levá-la a apresentar os mesmos comportamentos emocionais da punição (choro, rubor, suor) em situações em que simplesmente se expressa verbalmente.
·         A criança pode simplesmente passar a fugir e/ou evitar o agente punidor, de modo a evitar ou reduzir a estimulação de aversão, ou seja, há o condicionamento de comportamentos de fuga e esquiva (por meio do reforço negativo). Assim, os comportamentos inadequados continuam no repertório comportamental da criança, mas deixam de ser punidos quando ela esconde-se ou mente para os seus pais.
·         Pode ocorrer um aspecto que é o fenómeno de desamparo apreendido. Se as punições, especialmente corporais, não são contingentes e dependem do humor dos pais, pode acontecer que ocorra o fenómeno de desamparo, e a criança simplesmente não saiba o que fazer, não saiba qual a resposta que deverá ser emitir para evitar as punições. Esta situação pode ser extremamente grave na transição para a vida adulta, pois este comportamento pode generalizar-se para outras situações de aversão.
·         Um outro aspecto tem a ver com a associação entre a dor que a criança sente, na aplicação da punição corporal, e o amor em relação aos seus pais, pois geralmente a punição corporal é acompanhada por um discurso dos pais que amam a criança e que batem para o bem dela. Assim, o emparelhamento de estímulos e a associação entre a dor e o amor, ensina a criança a usar o mesmo método em outras situações da sua vida, ou ainda, a suportar situações de aversão e disfunção que deveriam ser reprimidas, evitadas e terminadas.
·         Um último aspecto é o círculo vicioso que se estabelece com esta prática, dado que punir é reforçador tanto para pais quanto para os filhos, reforçando o comportamento de quem pune e, portanto, ajudando a manter tal comportamento, levando ao perpetuar de métodos e comportamentos para a vida adulta.
Em conclusão, é justamente pelo desconhecimento que muitos pais impõem castigos físicos, pois consideram ser a melhor forma de disciplinar os seus filhos. Porém, como foi referido, esta cultura da punição física como meio de castigo, tem efeitos muito nocivos, pelo que deve ser “desconstruída” para dar lugar a formas educacionais menos lesivas para a criança.
Disciplinar com eficácia e com base no reforço positivo
Mas, neste caso, impõe-se fazer a seguinte pergunta: “o que fazer, neste caso, para disciplinar as crianças?” De acordo com os estudos mais recentes, a definição de “disciplina” encontra-se no campo de guiar e influenciar, pois sugere a produção de comportamentos mais desejados. Assim, disciplinar é ajudar uma criança a desenvolver o seu auto-controlo, estabelecer limites, ensinar comportamentos adequados e corrigir os inapropriados. Disciplinar também envolve o encorajamento da criança, ajudando-a a desenvolver a sua auto-estima e autonomia, ou seja, a prepará-la para enfrentar o mundo sem necessitar de emitir comportamentos que simplesmente evitam as punições e coerções e que são uma solução inaceitável para a resolução dos problemas.
Os pais actuais devem ter acesso ao conhecimento de outras práticas educativas mais eficazes para criar e manter um repertório de comportamentos adequados. Devem fazer uso da disciplina positiva (uso de reforçadores) de forma sistemática, impor e estabelecer regras e limites de forma consistente e lógica, exercer uma supervisão constante, estabelecer modelos positivos, incentivar à autonomia da criança e fortalecimento da sua auto-estima, pelo que não sobrará muito espaço para a ocorrência de comportamentos inadequados significativos. Os poucos que possam surgir poderão ser resolvidos com estratégias menos dolorosas e indignas do que as punições corporais.
O castigo, como forma de resolver as situações excepcionais, deve ser aplicado tendo em consideração alguns critérios, de modo a aumentar a sua eficácia:
·         O castigo deve ser aplicado depois de se experimentarem outras estratégias alternativas, isto é, como último recurso, e deve ser considerado como algo excepcional. Assim, os pais devem dedicar um esforço prévio no reforço ou recompensa do comportamento adequado, naquelas ocasiões em que tivesse sido possível fazê-lo. Não confundir esta situação de recompensa com atitude de “suborno”, do género: “se não bateres na tua irmã, trago-te uma prenda …”. Há coisas que têm que se fazer por si e não a troco de um presente.
·         Além disso, não se deve aplicar de forma generalizada, sistemática e frequente, mas de forma pontual e não reinteractiva.
·         Não deve humilhar a criança, rebaixá-la ou ferir-lhe os sentimentos e a auto-estima. Por exemplo, deve-se repreender uma criança evitando a exposição pública, levando-a para uma zona neutra até que se acalme e esteja disposto a fazer o que lhe pedimos.
·         O castigo deve retirar um benefício por um tempo (por exemplo, não ir a certos lugares, não comprar uma coisa, não ver televisão, não usar um brinquedo) ou deve ensinar alguma coisa que esteja relacionada com o comportamento que se pretende corrigir (por exemplo, se a criança deixa os brinquedos espalhados pelo chão, deverá ser aplicado um castigo que a ensine a ter as suas coisas arrumadas).
·         Os pais devem estar de acordo acerca do castigo a aplicar, quer da oportunidade, quer do sentido.
·         O comportamento dos pais deve ser um exemplo para a criança. Por exemplo, não se deve castigar uma criança por dizer asneiras ou insultos, ou por mentir e enganar os outros, quando este comportamento é frequente nos próprios pais.
·         A criança tem que saber que determinado comportamento é inadequado e quais as consequências que podem derivar do não cumprimento, isto é, a criança devem ser avisada.
·         A criança tem que perceber o castigo como uma consequência manifesta de um determinado comportamento que se quer corrigir, isto é, deve existir uma relação clara causa-efeito.
·         O castigo deve ser personalizado, individualizado, adequando a cada criança. Um castigo colectivo dificilmente será justo, pois não iria responsabilizar a criança acerca do seu próprio comportamento, diluindo a responsabilidade.
·         Para ser eficaz, o castigo deve ser imediato, aplicado no momento após a ocorrência do comportamento inadequando, de modo a que a criança possa associar claramente o comportamento com o resultado adverso. Demorar o castigo com frases do tipo “verás quando o teu pai chegar …” pode originar: 1) cria temor ou ressentimento em relação à figura paterna, tornando apenas o pai o “mau”; 2) ou poderá originar medo das consequências que na maior parte das vezes acabam por não acontecer, tornando o castigo totalmente ineficaz.
·         No entanto, o castigo não se deve fixar ou aplicar a “quente”, como vingança ou acompanhado de sentimentos de ódio e rejeição pessoal, isto é, deve ser aplicado com serenidade.
·         O castigo deve ser justo, equilibrado, proporcional aos danos que ocasionaram. Além disso, deve-se pensar no modo prático de aplicar o castigo, pois a sua aplicação deve ser realista e fazível.
·         Antes de aplicar o castigo, os pais devem assegurar-se de que a criança conhece e sabe executar correctamente o comportamento que é considerado adequado.
·         E, por fim, uma vez acordado e estabelecido um castigo, deve ser cumprido e executado, e a criança deve compreender que não se trata de uma ameaça. Deve-se evitar admoestações repetitivas do tipo “da próxima vez”, que acabam por não ser credíveis e serem totalmente ineficazes.
Em resumo, o castigo perde a sua validade se for aplicado de modo inconsistente. No entanto, torna-se bastante eficaz quando é aplicado de forma coerente e racional, exercendo um efeito preventivo e correctivo.
Conclusão
O castigo é uma estratégia educativa bastante generalizada, em que o fundamental é o diálogo que se estabelece entre os educadores e a criança, pois pressupõe a participação activa de ambas as partes no processo educativo. Assim, mais importante do que o castigo em si é o que é comunicado através dele.
O castigo deve ser o último recurso a aplicar, quando outros métodos alternativos fracassaram. Por isso, de modo a evitar o recurso ao castigo, deve-se apostar numa estratégia preventiva que passa pela educação baseada na autoridade e compreensão, na paciência e no autocontrolo. Além disso, a base educativa deve ter como pilares fundamentais o afecto, a responsabilidade e a confiança, que pode tornar praticamente desnecessária a aplicação de castigos.

Veja aqui a nossa sugestão de leitura sobre esta temática...

5 comentários:

  1. meu filho de 10 anos quebrou a TV de 50" da casa do amigo, batendo com o controle do jogo por raiva de ter perdido. Se arrependeu na hora, mas fez sua primeira loucura. Quanto tempo de aplica um castigo com o que mais gosta e aviso prazo? Aqui foram 6 meses que o pai dele informou.

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  3. meu filho de 10 anos quebrou a TV de 50" da casa do amigo, batendo com o controle do jogo por raiva de ter perdido. Se arrependeu na hora, mas fez sua primeira loucura. Quanto tempo de aplica um castigo com o que mais gosta e aviso prazo? Aqui foram 6 meses que o pai dele informou.

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  4. ótimo artigo, gostaria de conhecer as referências bibliográficas, ou até mesmo sugestões de leitura sobre punição, não apenas aplicada a crianças, mas especialmente a adultos no sistema penal. agradeço

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